30 de dezembro de 2008

Matadeiro

caudalosa conha côncava,
limo.
escorrega muda no matadeiro.

ressucita, o mar, o mundo
num espirro de onda em pedra

vaga, chicoteia,
brinca
inunda o lindo.

gole vestigioso colore
meu sonho verde pré-cabralino.

Do amarelo, ouro, à ruínas
tombou piscina em terra,
domou cultura em guerra,
emperou oceano em naus,
descobriu café mascavo
em negros panos, sopapos.
foi de aldeia à alcapao.

Sul da ilha do desterro,
em friccao desenterra,
escava escrava um enterro.

Embevece o vento em refúgio
entorpece os olhos
num planar de pio.

Acaricia o horizonte vaga
são cabelos loiros praia,
lâmina azul entre os rochedos.

29 de novembro de 2008

Devir Imóvel

Devir Curitiba lá longe onde nada move.
Onde ninguém mora o inverno não vem.

O inverno passou sem me olhar,
O que resta é o que devo.
A erudição é uma poda,
Pois não me movo.

A desesperança me compele ao escuro,
O cansaço ao silêncio.
O presente de amor morto existe lá fora.
Sou egoísta, não me movo.

Não tenho tempo, matei o amor, já disse.
O devir é um fardo,
O canto é consolo,
A mulher é fôlego.

Emprego é o abandono de deus ao homem.
A vida não é uma carreira de coca,
Mas o vulgo é uma farra
E o prazer existe.

Um turbilhão de sopros de cigarra
espreita a porta, não me movo.
Afloram risos, salve-se quem puder.
Não me movo.

O pecado horizontal é belo.
O que é lúbrico reaviva o corpo.
O que é híbrido enriquece a alma.
O que é dança liberta a palma.

Leio um livro errado.
Olho do alto o horizonte, um morro.
O sol não sai em Curitiba.
Não me movo solidariamente.

Alcalóide acalma,
Devaneio alegra,
Compra mata, mas a aparência engana.

A natureza cura.
Carne apodrece
Meu coração.
A culpa sara.

Os velhos perdoam.
As crianças crêem.
E os cegos amam.
Aprendo isto, mas não me movo.



Sou Curitiba.
Nada mais apropriado.
Imóvel. Novo
Sou um devir.

O verão finge,
Fingimos todos.
Nada mais apropriado.
Somos o devir.

Somos Curitiba.
Somos o inverno imóvel.
O inverno imóvel do amor morto.

O que é ao redor não importa.
Somos o devir.

Lemos Dalton.
Enquanto o batalhão em farra
Espera a volta do messias.

O inverno é que volta,
O devir acorda,
Deus não vem eu sei, porém
Não me movo.

15 de novembro de 2008

Por ser poeta me condeno ao escarro
De livre, em vôo, sepultado.
Entregue, me torno escravo.

Sensível, antes morro, mas não vos entrego aos ratos
Como me entregastes aos homens.
Do mundo corro.

Asas flageladas arrastam o asfalto.
Ares me esquecem o peito, que não sucumbe. A que escalada vã me condenaste? Quão alto?
Socorro...

Perpétuo filho do verso,
O papel é inalação assaltante,
Revido-te num roubo, um instante...
Arrasto-te...um eu lírico, um berro.

Descanso o baço,
E mesmo assim me esquece o fôlego,
Ainda sirvo, eis que sou ferro.

7 de novembro de 2008

carta testamento de um autor defunto a ser lido no sepulcro

Hora de ir afundado
Engatar a zero... zerar... as horas.
Suflar aliviado o corpo que não liberta também. Hora do mergulho terminal
Na sede que me afoga o ar na “goela”, a vala...
Tristeza pouco insiste na fala... é proa antiga em água lavada.
É um sorriso nos dentes e um correr infante.
Quando eu quiser correr por entre a vida...

escorrem...velas...

É a palavra o maior do risos emersos.
Palavras presentes nos pertences libertos do eu senhor...
Palavras presentes nos sons e incertezas do meu penhor.

Devo tanto quanto nego. A cara mal lavada não engana, pois.

Deixo a moratória para ser sustada das palavras que deixo sob a cômoda.
Palavras simples como não fui, palavras sem glória lapidadas neste enfermo.

Nossas certezas não têm fala, guarde isto no baú e ofereça aos filhos...
como um beijo de pater na testa, como um batismo.
Dê minhas palavras “aporia”... (termo para a não solução)

...escorrem...velas...

Num mergulho final, sacio a sede num desafogo do afago de palavras mudas.
Escorro e escorrem velas, maquiado imerso em túnica em fim de socorro.

Criança que virá em meu lugar, uma fala terna a me salvar deste dilúvio...
valentia.

1 de novembro de 2008

Esquina num balão pipa que perdeu o teto

Beijo cândido teu na esquina
é um segundo envolto em vácuo,
flutua no eco.
Amor é um balão sem teto.

Lábio rubro ameno,
O som do sim da tua boca
É corpo d’água em bica,
Encharco toda a chatice,
Se um som de sim tocar em troca.

Eu sei que cada esquina do meu peito
Vê miragem rota, vê o meu amar,
Mas sigo intacto, mas caminho.
Toda miragem é balbuciar uma loucura amante
em busca daquele beijo incerto,
em busca do primeiro gole flutuante
Da primeira esquina invadida.

Esquina em que me arrancaste
Chão, parede, teto.
Esquina para um jantar a dois:
Teu sim e teu sim também.

Esquina zepelim que te trouxeste,
que existe quando suo
sobre o teu cândido envolto em vácuo,
Esquina que te grita em afeto
para inundar amor em bica.

Esquina de que um dia, envolto em brita,
Partirei mais cego,
Trôpego em falsos rastros de um balão pipa,

Inundado em esquina ou a procura do teto...

18 de outubro de 2008

A noite cai num corte de eterna véspera

A noite cai e contempla um prato principal. Não me refiro, pois á iguarias servis em trono de rei do umbigo intacto. Iguarias servidas em louça nobre, ao soar de sininho solene e infame, chibata da criadagem rubra. Não é do meu feitio. Falo do banquete manso de pensamentos tortuosos, escorridos, caudalosos no travesseiro. Embalo do tempo mental alargado. Antes do sono. Este jantar em que de si se come só. Às vezes estes devaneios crus são apenas elegâncias extravagantes em seus pormenores. Culinária conceitual, sonhos, desejos. Às vezes, poucas estas vezes, convido uma velha companheirinha costureirinha do passado feio do eu. Submissa, mundana se entrega à mesa para ser devorada num deleite. A dor. È uma amiga triste daquelas. Passa muitos dias sem ligar, mas liga. Sem aparecer, mas aparece, relembra dissabores mal digeridos, aparece e acontece toda dona da noite. A noite caudalosa da dor em seus pormenores.Bate à porta e bate a porta. Invade a cama sem pedir licença. Senta come minhas entranhas em postas, pede sobremesa, me gelam as costas, inverte os papéis, sou todo presa, abate. Antes de sair pede um cafezinho, amargo até cair os dentes. Ainda não enfastiada da fome dos anos que sempre avançam em dormência distante. Ainda não enfastiada das alegrias e conquistas suculentas apoderadas do meu coração num corte seco, remói os grãos escondidos, farelos varridos para debaixo do tapete. A culpa é o tal do farelo de dor mal varrido para debaixo do tapete d’alma. È o que resta do consumo da dor e deixa consumada a costura doída do peito. A dor é uma viúva carente. È quem te lembra nesta véspera de aniversário que envelheces sem te tornar melhor. È a imperfeição explicitada pela cara cada vez mais suja de mundo e ausente de infância no espelho. A culpa está em estágio terminal, é uma lamentação hiperbólica. Hipocondríaca sedenta por insônia d’alma minha que arromba, e senta, e come, pede sobremesa num vagar fluido de aroma de café, intromete e aconselha o já irremediável. È convidada de honra a dor, sininho que soa solene e infame, chicoteia chibata chicoteia, mas não mata, só faz criado. Só vai embora quando desinverte os papéis e me permite ser dor anfitriã, criadagem rubra entre os talheres do espelho de data em que se cumpre a passagem dos anos. Deito as papilas num bocejo crônico e escravo. Cometo a indelicadeza de ser mal criado, indago a costureirinha para escapar do fio da navalha dos talheres e livrar suas agulhas do meu peito: Que horas são?

12 de setembro de 2008

Oração de regresso epifânico à fé...


Ciranda aos deuses do arbítrio:
- Aspirei o ar dos botões de rosa,
O pó do éter que existiu azul,
O céu sorrir em prosa...

A transa da lua tépida antes das seis
faz ciranda no mar,
É a folia dos reis.
- Deuses do arbítrio, venham me buscar!

Dançar sob o teto nu é varrer as dores.
Estrela Cadente é amar,
É de um breu beijar as cores.

- Dispa-me do sexo ateu
com ocre gota embevecida,
para gozar da liberdade, gineceu,
bela adormecida.

- Que deus a guarde, liberdade, em meu coração,
tenha meus sonhos bons, os conceda em tons visíveis, em gradação.

- Perdoe-me, deus, os penhores!

Ciranda em oração aos meus senhores.

31 de agosto de 2008

O ovo de clarice

O ovo é supersensível
como há sons supersônicos
O amor pelo ovo é supersensível.

O ovo não existe mais.
O que eu não sei do ovo,
é o que realmente importa.

O ovo me vê,
é isento da compreensão que fere,
apenas vê.

O ovo vive foragido
por estar adiantado demais
para sua época.

Não pode é a grande força do ovo:
sua grandiosidade vem da grandeza de não poder,
que se irradia como um não querer...

Mãe é gema, filho é ovo
Mãe é clara da gema que é o filho
que é mãe do ovo...

8 de agosto de 2008

Sorria

O sorriso abre portas
engolidas chaves
maçanetas lacradas
do outro lado outra porta

Soriso em ocasiões sociais
é um saco o gerúndio, cartão de visitas.

Dois minutos de sacrifício mútuo:

- Bom te ver, tome meu cartão,
pode estar me telefonando,
agente vai conversando,
estarei pensando na proposta.


Coquetel, sorriso, suor no colarinho, porta.
Forca, coquetel, sorriso, social.

Portas que se abrem para outras portas,
eis o silêncio do sorriso interno.

"A classe dos chaveiros admnistrativos."

Puxa saco, sorriso, colarinho, voluntariado.
Agenda, auto-ajuda, palestra motivacional.

Carreira, bitola, carreira.
Gestão, liderança, sorriso, colarinho.

Desenvolvimento sustentável, monges executivos.
insônia fundamental, deplorável.

lugar ao sol atrás das portas, prefiro janelas,
prefiro ícaro, os anjos, o pantanal.

Portas que se abrem para outras
portas que se abrem para portas
outras portas que se abrem
para a tampa da porta de um malsoléu.


Lugar ao sol num coquetel
social de colarinho.

23 de julho de 2008

Fui te buscar neste lugar amigo, voce nao veio..

A solidão que queima como um centavo

revira e revive ardente

à fração quente de fazer virar brasa o cigarro.

Com paixão se apunhala o amargo do não amor estendido

no chão abatido do quarto de prostíbulo,

com decoração de escravas.

Uma senzala aonde as luzes se apagam

assim que afagam os trocos,

sai vestindo-se aos trapos do flagelo dormente

e volta-se para casa.

A chama das palavras se reacende

com o uso desnudo, do feminino,

e dos meninos que brincam em canoas

semi-afundadas no cais de porto;

saias rodadas e bolsas curtas das meninas

semi-adultas, também a brincar com os senhores do paço,

semi-adúlteros, sem esconder a culpa dos passos regressos,

exalantes odores de vulva.

Seguem-lhes certa madrugada as semiviúvas

cansadas de maltrato. E choram, e se conformam, e se lamentam ao poeta

que deparam vestindo a rabeca ao sair da escuridão do beco, da boca do beijo

que fizera apagar as velas.

Tropeça-lhe uma lágrima desejosa de vingança e outro de cortejo.

As palavras se reascendem, derretem cera, que seca fria

em um candelabro de mazelas.

Sr Escritor: deite as palavras no lenço branco,

ao deixar a esposa cornada na porta de casa;

seque o pranto sem asas e enxugue o lirismo do poema franco,

que se conclua como quiser.

14 de julho de 2008

Retrato do Festival

Peguei a condução, desci a serra.
Intelectuais já estavam prontos para o abate
A cidade pronta para lucrar
Último dia do Festival.

Fim de tarde
Dezoito horas e meu atraso
sábado de ruas pálidas
Mais um sábado e a cidade é um nojo

Choveu aos meus pés quando sai de casa
não vi gota, compunha meu retrato silábico
minha mente registrava adjetivos
que qualificassem o que vi.

Ninguém mais vê nada
O mundo roda impacientemente agora
O sol sai cedo e se põe mais tarde
meu sábado escorre, é escarro.

Passos no cimento
não vejo o que me envolve o pensamento
tenho um cascalho, tem um guri com fome,
tem o aquecimento do mundo

O sol hoje bebe café e produz manchas
não olho para o lado
sou vaidoso e culpado
sou o assassino doloso do sorriso

Estou isento da nudez da lua dourada lá no céu
Vim, li e me isolei
saio para caminhadas noturnas à lua de prata
E não participo muito das calçadas.

As garras rasgam o peito
Os cantos de socorro estão em todos os becos
Nobres, médios, intelecto médios e populares
a cidade de sábado é leito.

Os artistas estão no palco
pedindo penico
e clamando o coro
o povo geme para a foto.

Todos trôpegos
O meu amor trôpego me deixa para trás e clama
clama a chance de se juntar ao coro
Desaparece na multidão, eu penso nas palavras

As linhas escorrem tinta
a tinta é minha virgem nua
grita manuscrito o arrombo, soluça choro salgado,
o retrato da cidade precipita.

O sábado não vem salvar o descanso do domingo,
ninguém irá salvar aquele guri faminto,
o sol é uma locomotiva incontrolável,
só nos resta o sorriso que matei.

O que nos resta são as virgens,
a tristeza nas ruas
e o submundo das danças de sábado à noite.
Meninos, meninas: - Digam Xis...

3 de julho de 2008

Prato

Cocada às uvas;
manjares no banquete.
Uns brindam a cevada,
uns são servidos à calda turva.

Servidos ao sangue,
é sempre o sangue.
A busca,
a causa e consequência puta.

O fim dos dias não está por vir,
já fora, já era, jaz entre os profetas.
Somos sensações em trânsito desde então,
sangue em ressonância dele.

É a carne, o doce, o vício, a cópula.
Ele se senta na ponta da mesa no jantar. Ele,
no banquete da vida nos venda.
Sua presença é o gatuno guia.

- É o sangue, é o sangue em êxtase!

Não ouse falar o nome dele.
O Riso em você na hora da fúria.
O abraço terno dos males do mundo.
É o sangue, doce sangue alheio....

1 de junho de 2008

Anônimos...

Sociedade anônima
do deslocado do mundo
homônimo distinto homem
nobre moribundo

sensível até doer
fadado a ouvir os prantos
das dores da realidade
poço de lágrimas profundo

empático homem rosa
trajado ao bom costume
delicado como corte italiano
alfaiate do manto da prosa

submerso, submerso cadurme
colorindo o tempo oceano,
corre, barroco, ao cume
corre a vida ano a ano...

...colore a vida ingrata que alcança
o homem, corre uma busca insensata
e engole desesperança,
fraqueja o nó da gravata.

25 de maio de 2008

Flutue...

Quanto mais o conhecimento nos acolhe sóbrio em sua morada, nos recepciona encharcados vindos da tempestade da resistência de se admitir possibilidades intimamente novas, plenas. O conhecimento nos drena a piedade excessiva e impiedosa, piedade que nos guia ao desperdício da sensibilidade extraordinária, pois nossa mente voltada à verdade da vontade própria, goza, sórdida, sombria, secretamente goza e cria um humano maior, mais ser, mais próximo do transformar constante do ser que se renova e, então, renasce.
Sórdida felicidade constante o processo perpétuo do conhecer. Há instinto e as futilidades nos confortam. E, dê graças qualquer, pois as futilidades possibilitam suportarmos a inexatidão doída da aparente existência.
Ratifique-se, portanto, que felicidade existe, e não somente existe mais resulta da simplificação à beleza do necessário como vontade e não condição de existência. Dê graças e faça parecer perecer ao contrário, a vontade só existe após a invenção do tempo, pois têm se pressa em sentir-se qualquer futilidade outra que não apenas estar vivo. Felicidade nua no nada, toda sua, bela onipresente, sem limite, não duvide. Conheça novas mentiras e perca o tempo que não se renova, brinque com ele. Conheça e dê abrigo aos que baterem à sua porta, impiedosamente dê-lhes o castigo de tirá-los da chuva e fazer o que o conhecimento fez. Tire os da chuva que os impele a temer as nuvens. Permita-nos flutuar nos sentidos que nos mantêm lúcidos.

17 de maio de 2008

Meu Ensaio

Ensaio de uma volta celeste:

uma nuvem a galope,
cavalheira ao tempo que passou,
me envolve em sopro;
passado é o destino, a estrada em pó é o vento
me leva em carona
mais penso avante em contratempo
vem e volta, vou voltar
Passo tão passante os dias
as ruas escuras amanhecem e crescem,
as ruas crescem e tudo parece mais distante
lembro o que ficou
por entres correntes, galerias de ar
ar que encerra os carregados vestígios, vão aonde eu vou.
Voar livre vendo restos,
escombros que não mais voltarão a ser o que foram.
Vou-me embora, vejo lá fora,
vejo um ir-me embora, vou voltar.
Vestido com o passado,
a culpa estampada ao traje, eu lavo.
Novo, uso de novo para viver nuvem nova.
Flutuo leve avante ao tempo.

Me leve nuvem,
em seu vôo livre e lento,
deixe estar ao meu redor.

Deixa ser aonde for, que vou.
Vou-me embora, vou voltar.


25 de abril de 2008

Autobiografia de Ponta

Se você não fosse ninguém e eu pude ser alguém que não sou, e não fosse eu mesmo, seria você e diria:

se eu fosse você, não seria.

Seria última a chance de eu ser ninguém, e você não ser quem és e então me ser um pouquinho pra ver se sentes que sou eu em você e você não sou.
Sou só e só sou:

aquele que me tole,
que me aconselho.
Quem me dorme,
me julga no espelho.
Apaixonado pela existência,
dois e suas variantes.
Curioso no que tange essências concretas
da subjetividade e vice-versa.
Um vivo, ousadamente dizendo-se vivo, talvez um que pense
que de fato pensa.
Vivendo o vento, e os olhares, os medos, a cidade, e um amor sem antes.
Vendo um pedacinho de si em quase tudo e na "piquena".
Vindo de encontro à distante complitude.
Um vivo Vinícius, enviezando vícios em virtudes.

Pirquena

Pedi pelo afago das flores. Colhi-me em migalhas, guardei-me em “Piquena”, nas veredas dela.
Penso logo me emociona existires singela.

Amores vários te vestiam, juntei os retalhos.
Dos pássaros retirei o canto. Despi-me da razão, falso manto.

Na malha que teci, pouco cabe. Cabe o canto que canto para ela:
- que a encontrei quando não quis
mais procurar o meu amor.

”Piquena” nua, sorrindo, cabe em minha malha,
pura, flor criança.
Mulher a ser servida
Com o carinho do recital dos pássaros ao sol surgir entre as montanhas.

Cabe um juramento e cabe que te cubras que lhe é direito:

- Que eu te sirva, pois flor, marés, alvorada, lua cheia e o cochicho das estrelas
às três da madrugada, foram criados à sua semelhança.

Me balbucie assim mais amanhã e amanhã direi o mesmo.
”Piquena” batendo contra as ondas:

- Me leva, me embala e me consome um saculejo dos dias à espera dos anos.
Seja meu anjo “Piquena" e será minha, eterna Primavera.

18 de março de 2008

Noites

Uivos do vento.
Roncos do aposento me contornam.
O corredor subindo
ao meu andar sem sono.

Ruídos da noite.
Tenebrosos ruídos me disperssam.
Açoites sem dono.
Nada mais é moderno.

Nada menos depende do dono,
o céu escuro em pensamentos claros.
Pés descalços, suspensos, dispertos
me levantam da cama ao trono.

Pernas pro ar. A noite me faz a fora.
A inspiração aflora e vou.
Me rendo ao palavrório
que cessa o não cansaço e me deita.

Um traço "vivaz".
Garrancho a mais me resta desses dias.
Me condeno medíocre
ao mundo, inimigo da fantasia.

Só o que resta.
Peripécias do escrito apático.
Qual foi o hábito de escrita
que restou aos bons poetas?

Nada mais é moderno.
Esvaia-se vazão do contemporâneo!
O que virá de vanguarda?
Um nada novo sem fim externo.

16 de fevereiro de 2008

Do alto da cidade...


A noite vem
e de repente
ineditos pensamentos
fundem devaneios misciveis

incriveis como as cores
de foguete de artificio
e o fogo do corpo
caquete erudito

indecentes paradoxos
da solidao que aflige
meia multidao de homens
judiados pelos homens

homens que nao dormem
trafegam incredulos
nas reliquias e migalhas
de sonhos nao saciados

uns farejam como caes
outros como ratos
e, de tanto sol nascer
a grama cresce...

...enterra homem, cao, rato
o filho do homem sonha
com seu semblante no espelho
se depara com o progenitor

como cao ou como rato
se esconde ou assume
encerra e enlouquece
elabora um choro...

9 de fevereiro de 2008


Maria doce

mais doce

que doce de batata doce

mania de amor

Moça sem voz

para mim

sem fisionomia

para mim com poesia

Poesia de poemas neutros

maria métrica

dos pés aos cabelos

de se ver, deve ser linda

linda até o meio dia

para mim

linda se for maria

mania minha...

31 de janeiro de 2008

sono meu...


...tiraram meu soma;
meu sono; meu sarro;
meu cigarro de riso;
ficou mais díficil...

...ficou mais silêncio forçado, o viver
nesse Eu que verso novo;
constante Eu que verso novo
que só repete um "avant garde" verso pomposo...

...anjos negros e suas oferendas múltiplas
nos meus sonhos de penosas súplicas;
vaidoso mar de rosas lírico
no contorno de um vulcão triste e invertido...

...será possível, será?
decifrar sentimentalismo codificado
em busca do amor que venha como amor e com amor...
me livrar mais um cigarro...

o amor que aguarde e nos guarde do pelejo,
nos guarde dessa sopa de palavra com letra em erupção
confuso cansaço do meu coração
e minha cabeça com medo...

15 de janeiro de 2008

Adolf


Riso de chiado de olho diagonal.
A Inteligência demasiada é um náufrago congelado...em S L O W M ooootion....
Maldição da vida eterna a ambição elementar.
Não és bom ou ruim,

Tu és, Homem.

11 de janeiro de 2008

Um tapa...


Tu és...narciso...

espelho da minha auto-crítica
que me abandona,
de calças brancas; chapéu de palha;
peito pelado; na praia despida...

corujas pensam por mim
e durmo como elas;
como carne e sinto culpa
de tudo que não refresca a cuca

sem narco talvez possa
passear de barco naquela poça
que atrai meu rosto ao meu olhar
e que me mata ao não amar...

5 de janeiro de 2008

Que luta?


Palavras desimportantes.

Na estante guardadas,

palavras. Nada mais

que um instante contente.


Nada mais que falácias,

palidez cálida da cor daquilo,

gélida e estandarte,

um insight "mind blowing"


um "flash", um "rush"

Um lixo! Um luxo!

impreciso atrito delirante;

lácteo combústivel.

resumindo, e bem objetivo.

Sento, bebo delirante.

O leite escorre pelos dentes

e escrevo...

2 de janeiro de 2008

Ato II


Não pense
Que houve lucidez
que te cegou perpetuamente com imensa rapidez
que não possa se lembrar (que não se lembre).

Tudo sempre foi assim.
As verdades lúcidas
e lúdicas são o seu estado normal
de exatidão para-normal

Não precisa de quarentena
Seus dias já o são
Repetição de 40 dias e 40 noites
Em 365 mols de certeza plena.

Sua mente se engana
Quando você pensa ver o oásis
Sua mente se engana
Quando pensas em ter visto o oásis

A fruta de cera
Que se mostra suculenta, fantástica
E na primeira mordida: o amargo,
Do caroço apodrecido.

quando no fundo não enxergas um chiqueiro, imundo
segue seu destino trilhando o rastro do irrestrito
e como cão infecto pelo desejo da carne
continua-se salivando pérolas aos porcos.

Vinícius de Andrade Vieira / João Rafael Candia Athas