22 de dezembro de 2007

Sonho de Túlio




Deitado em berço distante,
o peito sobre o penhasco,
a mãe de Túlio faz asco
em incredulidade irritante.
Em partes por si, neutra amante,
em partes por Túlio, e ri do visitante.
Escárnio, severo carrasco!
Cuidado, pretenso entrante!
Túlio senta, ri do fiasco.
Como pôde fazê-lo, errante?

As trouxas no canto, refeitas.
O olho umedece a cama.
Novamente a nobre dama
convida ao grande drama
do descaso, da desfeita,
a que Túlio avesso aceita.
E o pobre a toma por seita:
outra vez se derrama
àquela que acredita eleita.
Mãe de Túlio, o colo chama!
As mãos respondem. A direita
convida à lama, à trama, à chama
e a esquerda a rejeita.

O regresso é sempre a promessa
feita no cerne da pressa
que jura ser o último passo.
Mas às voltas a vida não cessa.
Túlio embrulhou um compasso,
e disse: “- Volta, volta depressa!
O compasso é cortesia que faço,
mas é o destino é quem lhe endereça!
Se lhe for a vontade, eu nasço.
É seu o próximo passo
de desenhar a mim. Usa essa
maravilhosa circular e expressa
que a vida é um grande laço.
Não guarde o rancor, arremessa!
Não guarde a paixão, regressa!
Volta agora! Volta agora e começa!”

Acordei com Túlio ainda pedindo:
“- Creia, a fé o tesouro alcança!”
Enchi-me da mais pura lembrança
de amor, de bondade, e já rindo
respondi à frágil criança:
“- Túlio, não creia na lança
que apunhala e segue sorrindo.
Perdoe, mas muito me cansa
a idéia de ter uma herança
a legar – estória mansa!
Não serei pai de um conto lindo.”
Me falta a maldade e a bonança,
me falta a bondade e a esperança.

Autor.: Carlin (Carlos Pegurski)

16 de dezembro de 2007

Calígrafo



Um galpão solitário.
saindo da incensaria subaquática,
névoa prata no céu estralado.
A galope, cadente trem vagando no teto.

Árcade, ares dos campos do feno brando.
Arranjo composto por Fernando Brant;
sentado, enrolando os cachos do “cello”.
movimentado quadro, porta-retrato vivo.

Estrada que me come vivo de espanto;
de frio no canto do peito.
Suspeito e sinuoso trecho rumo ao precipício,
acalanto sossego, Alpes irrestritos.

Curso d’alma, nanquim da antimatéria,
antipoesia prosaica, antítese sem vias de regra.
Árcade não arcaico; sento, sinto e salivo
Sílabas salinas no céu da boca.
Osmótico soletrar, soletro, soletro, soletro sós letras...
solenemente semeio sentenças. Sufoco as linhas,
Movimento as entrelinhas e machuco a tela do escrito
Que giro e regiro de ponta cabeça.
Calígrafo, Calígula. Contínua
Cisma cheia de rima. Asfixia
Os traços almaços esta caligrafia crônica. Amasso
Cuspo e largo às traças na lixeira. Na lixeira.